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Sílabas à Solta

POESIA | PROSA POÉTICA

Sílabas à Solta

POESIA | PROSA POÉTICA

Luz Dourada

31.10.20 | Sandra

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Renovo-me ao caminhar por extensos campos. Neles, sou todos os sonhos possíveis. E bebo, deliciada, a liberdade do ser e do estar - como se tudo o que menos bom há não tivesse lugar em toda aquela vastidão.

Em tardes douradas de sol quente, no céu alto voam as aves. Rasgam o azul infinito, sem nuvens nem pressa. Na terra seca, pálida, ervas e flores selvagens libertam aromas próprios, que pairam intensos à minha volta. Caminho por caminhos não traçados na hora adormecida do calor, e perco-me para me encontrar de novo. Em tempos, passeava já assim pelos campos, de alma leve e imensa, do tamanho da imensa extensão que me rodeava. A paz de outrora resistiu a estações e ciclos, e ainda hoje pressinto-a nos campos, ao ondular das ervas secas numa dança acesa e sincronizada sob o vento suão que sopra.

No descanso das horas intermináveis, a poesia faz-se desejo, que se eleva à cadência dos sons do campo presentes em todo o lado e ao mesmo tempo: a secura das plantas, o chiar das aves, o zumbir dos insetos, o avião que rasga o firmamento alto deixando um traço branco, fino, cortante. E é envolta pelos sons, cheiros, tons do campo, que busco o que de ti tanto quero, ali, na luz loira.

Amor na Manhã

30.10.20 | Sandra

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Sentimentos translúcidos deitam-se na claridade que desperta as vontades, 

E afetos esfumam-se,

Desígnios perdidos de sol.

A luxúria pousa num delicado leito,

Criado numa folha de papel virgem,

Imaculada,

Intocada de letras, ideias.

Despe-se devagar, a poesia.

É cetim escorregadio, macio,

Doce o poema que desliza pelo corpo solto, aberto em rimas.

Mimoso é o tempo

Que no aconchego do amor pleno manda parar ávidos segundos,

Minutos, horas.

E na serenidade imensa que despeja desejos, 

A liberdade entrega-se a versos embriagados.

Soltam-se sílabas.

Diz que sim!

Sê Poeta e faz-me soneto!

Queimar Horas

29.10.20 | Sandra

 

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Dá-me a mão enquanto a vela nos abarca em poesia. No silêncio da chama que brilha serena, olha-me nos olhos, diz baixinho o meu nome, e fica ao meu lado mesmo que só por um instante!

(Se puderes, deixa todas as horas queimarem no fogo e fica ainda, mais um pouco...).

Desfia-me histórias, aventuras, sonhos. Leva-me pela mão até ao lugar encantado por onde andaste, para lá das altas montanhas onde o gélido vento sopra e onde as negras aves gritam em bando no escuro céu da noite imensa.

Mostra-me esses mundos teus, peregrino coração e deixa-me ficar um pouco mais ao teu lado! Vamos criar um momento que seja nosso, só nosso, que nos aqueça quando o sol hibernar e a neve endurecer o chão do caminho.

Deixa-me guardar o teu sorrir, o teu toque, o teu beijo de infinito aberto ao mundo! E depois ama-me, dá-me a mão e fica, vagabundo em mim.

Dança-me

27.10.20 | Sandra

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Leva-me devagar a ti. A música começa agora, aproxima-me ao que és. Mão com mão, corpo com corpo, num silêncio solene, leve. A dança. Notas pautadas que nos movem quando já estamos subtraídos de pensamentos. Só sentimos. O nosso exterior evapora-se. Nem uma palavra, nem um gesto desnecessário. Apenas o embalo da música, a cadência dos movimentos, a presença íntima do outro, o calor dos corpos e da alma que vibra. Passos que não se fazem notar, deslizamos juntos mas ausentes do nosso redor. Só a música e a vontade que connosco desliza também. E o desejo...

Dança-me. Envolve-me mais. Mãos mais unidas, corpos mais perdidos um ao outro, rostos mais próximos. A música mantem-nos em movimento. Dança-me a alma, os sentidos, o mistério e as certezas. A música toca dentro de nós e já não sei se ainda dançamos. Sinto-te síncrono e só quero um beijo teu, completo, que faz a dança imortal. Beija-me.

Feminina Flor

25.10.20 | Sandra

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Exibe-se a flor, feminina, intensa, bela, poderosa. Mística. Entre todas as outras que a rodeiam, escolheu ser nenúfar e mostra-se ainda mais à lagoa, às outras flores que a cercam, faz-se notar na sua luxúria que sobressai. A todos seduz, provoca, numa sensualidade exótica de cor macia, que apetece tocar. Evoca as carícias do sol em cada pétala sua, anseia o abraço que do vento há-de receber nas horas quentes da tarde, prova delicada o deslizar da chuva no seu corpo florido, à espera.

Nenúfar. Da lagoa és, mas quantos desejaram já arrancar-te à frescura das águas que te acolhem, tocar-te, feminina flor, acariciar as tuas pétalas perfeitas. Definharias, certamente! Feminina flor, aceito-te como és, e deixo-te aos vagares do tempo e das libélulas que te cercam. Elas também te amam.

Regresso

24.10.20 | Sandra

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A manhã desperta cálida, envolta numa luz frágil, branca e silenciosa. Tudo parece opaco nessa luz: o céu, o sol, as nuvens, a minha vontade. Está frio, enrolo ainda mais o meu corpo na manta quente que o cobre. Ao longe, forma-se subitamente uma camada de nevoeiro que acorda o farol. Ouve-se o seu gemido poderoso, um tom grave, intenso, arrastado e demorado, que ecoa por toda a costa. Sinto a tua falta, também ecoas em mim.

Sei onde estás. Nessa praia que se tornou um pedaço teu, ouvindo o desabafo do farol unir-se ao nostálgico lamento das gaivotas arrepiadas na areia gélida. Tu, e esse teu semblante disfarçando um espírito imparável, irónico, perspicaz, mordaz e incrivelmente humano. Como me apetece tanto abraçar-te! Sei que te acalma olhar o mar quando ele está liso, sem a mínima vibração, e hoje o mar dá-se assim a ti: maré suspensa, onde um barco de pesca isolado boia não muito longe. Folhas, gaivotas, um pedaço de madeira, boiam também na superfície hipnotizante da água parada.

E hipnotizas-me tu, que chegas até à minha mente no inesperado do nevoeiro, trazendo memórias. Ainda falta algo entre nós e esse algo há-de chegar, o fim de um ciclo que será o começo de outro. Eu sei que me levarás a essa praia que é como tua. E será, nesses instantes, nossa.

Aniversário

23.10.20 | Sandra

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Hoje brindo. Brindo à vida, ao estar aqui, ao ter o que tenho e, que sendo tão pouco, é tanto ainda. Brindo a quem sou, com noção de quem fui e de quem poderei vir a ser: hoje, melhor que ontem; e amanhã, melhor que hoje. Brindo às minhas vivências que sempre me trouxeram alguma aprendizagem. Brindo aos meus passos dados, falhas e cansaços, risos e conquistas, que me mostram que é preciso seguir em frente, sempre. Brindo ao conhecimento adquirido e a todas as grandiosas descobertas que ainda esperam por mim. Brindo aos sons do mundo e aos silêncios do universo, este fascinante e enigmático lugar que me apaixona tanto! Brindo aos bons sentimentos, à esperança, à fé no meu Deus, à minha família, ao perdão e à gratidão, ao espanto, ao deslumbre! Faz falta o deslumbrar-se com as maravilhas que ainda possam existir, por mais simples que sejam.

Brindo a todas as pessoas que têm feito parte da minha caminhada, e às que tiveram, ou têm, o papel mais importante ao longo dos meus 45 anos de vida, que celebro exatamente hoje: o papel de serem a minha fundação, o meu pilar e a minha essência; o papel difícil de me aturarem e serem fortes, curando os seus corações gigantes e, ao mesmo tempo, pequeninos. Se eu tiver direito a uma prenda especial, peço a Deus que seja o bem estar, a todos os níveis, do meu pai, da minha mãe e do meu filho (pode ser, meu Deus? Vá lá, por favor!).

E brindo a ti, que agora, também, fazes parte de mim, da minha vida: estás lá! É agora... festa! Tchim-tchim!

De Todos

22.10.20 | Sandra

 

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Não é meu, o caminho. É de gentes, ruas, casas, memórias. Mas nele demoro os meus passos. Na calma contemplação, ladeada pela cal brilhante dos muros, respiro a fé que pelo caminho passeia-se comigo. Piso as pedras do chão que, com o tempo do seu lado, ecoam crenças e rezas que chegam de todas as esquinas. Não me apresso; sigo leve, passo a passo, confiando orações dispersas. Árvores, gatos, pessoas, pardais. De todos é o caminho que verga paisagens, sons, ideais, superstições. As pedras, donas de pensamentos alheios deixados cair dos bolsos dos sonhos, são como uma constante procura de um regresso à inocência. À sua maneira, entendem-se em gratidão com a chuva mansa que cai, ou adormecem felizes sob um sol enamorado. É o caminho, um caminho solto em auroras ou crepúsculos, um caminho não meu mas de todos.

Hora do Repouso

21.10.20 | Sandra

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A tarde vai avançada, tempo de abrandar. Sento-me nas horas do descanso que embalam a imaginação desperta em mim. Chove.

A chuva também me molha pensamentos, abstrações, sentimentos e rascunhos. Brotam desejos da alma, e asas voam de sonhos meus como pautas ao vento. Mas é tempo de repouso agora.

Está mais escuro, o céu. Mais claros, os meus sentidos. Deito-me serena no antecipado crepúsculo feito de neblinas do dia que passou. Pegadas de nada ficam gravadas em silhuetas que se derramam à minha volta: são árvores, são gentes, são gestos, cenários. Tudo se torna discreto, quase ausente, na penumbra envolvente.

Os minutos prosseguem a sua jornada como uma sincronizada dança de salão. Noite escura, enfim. O vento já não sopra. Somos nós agora, tu e eu. A chuva deixou marcas: vontades, quereres, desejos, sonhos. Elevo-me ao espaço que nos separa mas que nos aproxima também, e já te absorvo em mim: penso-te, imagino-te, pensamentos tão só meus. E nesses mesmos secretos pensamentos, trago-te a mim. Ficas comigo?

Mão à Noite

20.10.20 | Sandra

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Dá-me a tua mão. Deixa-me levar-te lá fora onde a noite se mostra. No horizonte, uma lua cheia sobe magnífica num céu de seda. Uma brisa morna sopra alto para lá dos cumes das serras embaladas na imensidão, onde as aves dormem das horas passadas. As águas do riacho repousam frescas e brilhantes sob um luar imenso que ilumina o silêncio escuro dos cantos, campos, casas, ruas, pontes. Há tanto que queria dizer-te... deixa-me falar-te baixinho de tudo e de nada.

Lua cheia. O Tempo mistura-se insondável. Ontem e hoje, como dois amantes deitados em praias adormecidas onde o relógio do Mundo parou. Esta é a hora plena em que barreiras tombam e a condição humana cede. Somos da natureza, tu e eu, arrastando sentimentos vindos de tempos primordiais até este exato momento. E a vida pulsa lá fora, para lá de nós dois, onde novos mundos são criados e os deuses nunca dormem.

Na noite, a lua reflete antigas, misteriosas civilizações, enquanto pressente novas eras que ainda não chegaram pois pertencem a futuros longínquos dominados pela ciência e tecnologia. E tu, último dos últimos!

Chega-te um pouco mais perto. Se me pudesses abraçar! Escuta, há tantos sons na noite, e a todos eles a lua brinda! O mocho escondido nos ramos altos do pinheiro fala-nos de um universo por descobrir e eu olho-te impávida, serena, segura, certa das minhas certezas e incertezas que guardo no escuro. A noite apodera-se de tudo e no segredo das sombras que se alongam pelas horas que avançam, só te peço: dá-me a mão. 

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