Era um antigo clube, numa rua desconhecida e recatada. Restrito, ninguém falava dele. Num palco pequeno tocava sempre a mesma banda, com os mesmos fatos, os mesmos instrumentos. Havia um cheiro típico no ar, que lembrava tudo e nada. Parecia trazer algo de misterioso, vindo do primeiro início do mundo.
Eu sentava-me sempre no mesmo lugar. De lá, conseguia abarcar a sala por inteiro: o palco, o balcão do bar, as plantas espalhadas pelo espaço, as janelas abertas e a porta da rua. As mesas estavam sempre ocupadas por boémias gentes de velhos hábitos. Risos, conversas baixas, subtilezas e discretos sinais à fraca luz. Por vezes as pessoas calavam-se e olhavam todas para o palco, quando um acorde mais forte cortava o ar logo abaixo do teto de madeira envernizada. Havia sempre a certeza de que a música era só o nosso princípio.
A banda fazia um intervalo e as conversas subiam de tom. Sorrisos, promessas, caprichos, brindes, arrastar de cadeiras. Luxúria. Quando a banda regressava ao palco e aos seus instrumentos, o público calava-se numa espécie de respeito ou homenagem por aqueles músicos sem idade, vindos ninguém sabia de onde. Alguns clientes levantavam-se para dançar. Jazz, blues, soul. Às vezes, reggae.
As horas ficavam esquecidas naquele lugar que atravessava épocas ignorando o passar das modas. Perto do final da noite, eu costumava ir até ao alpendre, onde lanternas coloridas estavam penduradas e cadeiras vazias olhavam o jardim selvagem em frente. Para lá do jardim, a praia. A música, misturada com os cheiros que a maré vazia trazia, parecia agora muito distante. Vozes de fantasmas cansados...
Tu não estavas lá, nunca te encontrei nessas noites marginais, naquele espaço imerso em histórias de todos os tempos, onde todos se conheciam e nada era novo, nem os segredos.
Ao fechar de portas todos saíam num silêncio arrastado, contido, umas para o jardim, outras para a praia. E outras, como o banda, para algum lugar jamais descoberto, como se se desvanecessem no ar. O tempo começava a vadiar vagabundo pelas esquinas perdidas, enquanto os plátanos dormiam ainda no nevoeiro que os vestia, alheios à noite que tinha passado. Parecia ficar também ele, o clube, a dormir, ar cansado, abandonado, como se nunca tivesse existido, nem a sua banda, até uma qualquer outra noite em que as portas seriam novamente abertas. Que não se sabia quando seria. Esse era outro dos seus mistérios...