Tardes Tuas
Sei que a tarde te traz de volta a ti mesmo. Há muito tempo que é assim, não é? As tardes pertencem-te, mesmo quando se elevam enormes, tremendamente demoradas, arrastando-se mudas à tua frente!
É nessa altura do dia que consegues respirar fundo as sedentas ideias que voam da tua alma como aves soltas ao vento, e que caminhas sobre singulares reflexões enquanto os teus pés te conduzem, em desespero, ao lago gelado perto da tua casa, de onde se avista lá ao fundo um mar escuro e brilhante. Chumbo ao sol...
Às vezes ficas aí muito tempo, à beira desse lago de águas cerradas, imóveis, que esquecidas das loucuras do mundo apenas te olham e escutam. Escondes as mãos nos bolsos quentes onde questões sem resposta se escondem há tanto tempo, e saboreias a paisagem fria e adormecida nos minutos que te acompanham, cúmplices do teu próprio tempo.
Outras vezes, agarrando o apelo de um impulso mais forte, caminhas sem saber que força te move, entre duros pinheiros e luz, até à praia. É quando te abandonas ao mistério, focado em novos sentimentos que te surpreendem, rendendo confissões a esse mar que tão bem te conhece, e a esse céu que sempre acolheu tantos dos teus sonhos, os que ficaram pelo caminho e os que nascem ainda, apesar de tudo.
O tempo bem te tinha avisado que há sentimentos que nos agarram, não para nos manter como seus, mas para nos moldar - e libertar de novo!
E tu libertas-te sempre aí, acolhido na imensidão de um mar solene e de um céu feito de tanto de ti, onde o silêncio se senta ao teu lado junto com velhas memórias e novos quereres. Libertas-te e deixas partir as tuas incertezas, receios, os teus "E se?". O mar tem esse efeito...
Sei que no momento certo, exatamente quando os céus se despem do dia e o mar se veste da noite, tu regressas à tua casa, alma limpa, corpo arrefecido pela friagem do crepúsculo e cansado pela caminhada feita, já pronto a entregares-te aos prazeres de um bom jantar e uma boa lareira. Para de novo acreditares em ti e nas tuas possibilidades inesperadas.