O barulho da chuva a cair contra a janela acorda-me cedo. À chuva miudinha que cai em desalinho, pertence toda a minha nostalgia e todas as minhas vontades. Sopra um vento forte sobre os telhados desolados, os relvados bem cuidados, os carros adormecidos, a praceta vazia de cores. Algumas folhas do chão são apanhadas num rodopio que as eleva no ar, para logo de seguida serem atiradas de novo ao chão. Ouvem-se as rajadas de vento a assobiarem ao longe, um som constante, fino e agudo, destemido, a soltar versos por entre os prédios de janelas ainda fechadas. Dois cães passam a correr alheios ao temporal, orelhas longas a abanar ao vento e um ar alegre nos seus focinhos joviais. Uma rola passa junto à minha janela, pardacenta, queixosa, e logo desaparece, empurrada pelo vento para longe. Para lá dos relvados e dos telhados distantes, a linha azul do mar desapareceu, escondida pelo cinzento pesado das nuvens carregadas de água e de saudades tuas. Também se esconderam o farol e as colinas da outra margem. Às vezes passa uma ou outra gaivota, fugida à fúria do mar, no seu voo inclinado, aproveitando o embalo das correntes de ar. Parece gritar algo ao vento, o teu nome, talvez. Nas árvores de ramos despidos está um ninho abandonado, redondo, sólido, perfeito, paus finos entrelaçados uns nos outros como amantes! Admiro-me que resista às rajadas impiedosas do vento e não se solte dos ramos, acabando desfeito nas pedras molhadas da calçada.
A chuva não abranda, e o vento ameaça virar os chapéus-de-chuva das poucas pessoas que atravessam, de rosto fechado e passo apressado, a praceta desamparada. O vidro da janela enche-se de gotas de chuva, geladas, brilhantes, que se juntam umas às outras. Deixo o mau tempo de lado como algo que ainda não me diz respeito e ouvindo alguns pardais despertos na sua cantilena, penso: hoje é um dia bom para o amor, seja que amor for... queria que fosse o teu, mas já me disseste o teu adeus, numa forma muito fria, uma escrita que fez os meus olhos serem chuva, também. Agora, não me peças mais nada, perdeste esse direito! É justo.