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Sílabas à Solta

POESIA | PROSA POÉTICA

Sílabas à Solta

POESIA | PROSA POÉTICA

Primavera Antecipada

28.02.21 | Sandra

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Vem, vem na manhã simples que chega.
Vem tu, vem a mim, abraça o calor da minha pele, e depois cede ao impulso de fazer demorar mais um pouco esse abraço que me dás.
Senta-te comigo na terra aquecida pelo sol, onde jovem, a relva, perfuma de promessas o ar.
Vem, repousa aqui bem perto de mim e dá-me a mão, no meio das horas inocentes sem dono nem gentes!
E que todo o sol caia despido em nós...

Olha ali, as árvores! Ramos lisos cobrem-se já de mil rebentos que despertam sedentos de vida, como secretos beijos que têm que ser dados, desejos que se devem cumprir!
Escuta! Uma sinfonia começa sem pressa! Em nosso redor cada ave piando, chilreando, arrulhando tonta de alegria, saudando as horas felizes do dia...
E tudo se faz luz, cor, música, perfume, tela, calor!

Vem, vem ter comigo, amigo, amor,
nesta rara manhã com luxúrias de tempo ameno. Vem e fica, fiquemos juntos, seremos também manhã, universo, primavera antecipada.

Cisnes

26.02.21 | Sandra

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Indiferentes ao dia ensonado que os espreita, deslizam os cisnes pela água tépida e escurecida do lago.
Provocam alterações na superfície da água, enquanto silenciosamente distorcem os ponteiros das horas apressadas. De forma altiva, debicam as palavras de todos os tempos, onde boiam folhas e ramos finos, e as tartarugas tontas olham o céu.

No brilho do calor parado da tarde, enquanto cigarras desfilam a sua exuberância, os cisnes ignoram as árvores, as nuvens, o arrulhar dos pombos. Passa um gato. Cobiça-lhes as penas aprumadas, brancas, lisas, a carne tenra que se esconde por baixo. Mas logo desiste e prossegue pelos seus vagares. São cisnes. Pertencem às lendas e aos mitos, a simbologias, a desfiles em passadeiras vermelhas e a luares convictos.

E deslizam sempre, na sua noção do irreal e do místico. Um dia cantarão, e o lago contará histórias sobre eles.

Viagem

24.02.21 | Sandra

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Um dia partirei à toa, à descoberta do ponto cardeal que me faça ser poema. Pelo caminho ficarão os ruídos sem som, os acasos sem sentido, as horas inundadas do quase nada. Irei pelo caminho solto, alcatrão ao sol, sombras e sinais à aventura. Balão solto que se eleva ao alto, onde repousam nuvens despreocupadas entre a luz do sol que tudo abarca. Viajarei ao som do motor, pelos ponteiros dos segundos até lugares que são meus, feitos do tanto que me faz falta. Ou então partirei nos sonhos da imprudência da noite, quando estrelas distantes nos questionam e acendem desejos. Mas partirei em viagem. E de lá, de onde eu estiver, escreverei cartas que falam sobre as árvores do caminho e os trajetos onde curvas se riram para mim. Convidar-te-ei então a vires ter comigo. Não precisarás de mapa, o traçado do alcatrão apontará por onde deves ir. Ou então, basta inalares o vento carregado de perfumes e conquistas. Ele vem de onde eu estiver. Para já, é tempo de preparar bagagens e aguardar. O despertador tocará no momento certo. Até lá, viajo nas retas da escrita, nas palavras que leio ou escrevo, que me levam a lugares e momentos também muito meus, num à-parte das loucuras e do insano dos dias. E isso basta-me, por ora. Nada mais senão palavras que me transportam nas suas ideias. E viajo, sempre, vidros do carro abertos ao mundo.

Dia de Chuva

20.02.21 | Sandra

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O barulho da chuva a cair contra a janela acorda-me cedo. À chuva miudinha que cai em desalinho, pertence toda a minha nostalgia e todas as minhas vontades. Sopra um vento forte sobre os telhados desolados, os relvados bem cuidados, os carros adormecidos, a praceta vazia de cores. Algumas folhas do chão são apanhadas num rodopio que as eleva no ar, para logo de seguida serem atiradas de novo ao chão. Ouvem-se as rajadas de vento a assobiarem ao longe, um som constante, fino e agudo, destemido, a soltar versos por entre os prédios de janelas ainda fechadas. Dois cães passam a correr alheios ao temporal, orelhas longas a abanar ao vento e um ar alegre nos seus focinhos joviais. Uma rola passa junto à minha janela, pardacenta, queixosa, e logo desaparece, empurrada pelo vento para longe. Para lá dos relvados e dos telhados distantes, a linha azul do mar desapareceu, escondida pelo cinzento pesado das nuvens carregadas de água e de saudades tuas. Também se esconderam o farol e as colinas da outra margem. Às vezes passa uma ou outra gaivota, fugida à fúria do mar, no seu voo inclinado, aproveitando o embalo das correntes de ar. Parece gritar algo ao vento, o teu nome, talvez. Nas árvores de ramos despidos está um ninho abandonado, redondo, sólido, perfeito, paus finos entrelaçados uns nos outros como amantes! Admiro-me que resista às rajadas impiedosas do vento e não se solte dos ramos, acabando desfeito nas pedras molhadas da calçada.

A chuva não abranda, e o vento ameaça virar os chapéus-de-chuva das poucas pessoas que atravessam, de rosto fechado e passo apressado, a praceta desamparada. O vidro da janela enche-se de gotas de chuva, geladas, brilhantes, que se juntam umas às outras. Deixo o mau tempo de lado como algo que ainda não me diz respeito e ouvindo alguns pardais despertos na sua cantilena, penso: hoje é um dia bom para o amor, seja que amor for... queria que fosse o teu, mas já me disseste o teu adeus, numa forma muito fria, uma escrita que fez os meus olhos serem chuva, também. Agora, não me peças mais nada, perdeste esse direito! É justo.



Meu Filho

18.02.21 | Sandra

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Posso sentar-me ao teu lado?

Gosto de te ver ao sol, corpo repousado no banco de pedra ali colocado há muito tempo. É lindo esse momento tão teu, em que te esqueces das horas e de tanto mais, para apreciares, descontraído finalmente, a tarde dourada que se mostra a ti em toda a sua beleza e força. Tu também és muito belo e forte. És uma dádiva que todos os dias dá um real sentido a quem sou. Ensinaste-me o que é realmente importante: esperar pacientemente; sonhar sempre, apesar de todos os desafios e adversidades. Acreditar nas possibilidades, com uma certeza simples mas, ao mesmo tempo, forte. Manter a capacidade de rir, brincar, cantar, dando a cada momento, bom ou menos bom, a atenção devida e o tempo próprio. Que a passagem do tempo opera mudanças que devem ser aceites. Mais: ensinaste-me que é possível ser-se adulto, mantendo, ao mesmo tempo, a magia própria e a humildade de ser-se criança.

Gosto tanto de te ver imerso na força e na paz que a luz que um sol pleno oferece! És um ser maior, genuíno, resumes em ti tudo o que de belo o mundo me dá, apesar de todas as contrariedades que me afetam.

Também tens as tuas fragilidades, és humano, afinal, mas elas são só um acrescento a tudo o que de grandioso és. E por tudo o que retribuis, mereces estar sentado nesse banco de pedra, longe de tanto, perdido num vago sentir que todo ele é serenidade, fé, gratidão, paz imensa no teu interior e em teu redor. Vitórias, conquistas, tudo de bom tu mereces, sempre! Posso sentar-me ao teu lado, filho meu?

Balouço

13.02.21 | Sandra

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No sol adocicado da tarde transparente, enquanto as horas se fazem gentis, plenas e agrestes, balouço-me sem pensar no sentido do tempo ou do espaço.
Balouço-me, e no meu embalo balançam-se também sorrisos, abraços, promessas, palavras silvestres como cartas ao vento.

Subo ao alto destemida e tão alto estou que atiro ao azul celeste todos os meus sonhos feitos de brisas e buscas de tanto! Já é tempo de sonhos novos!
(Acompanhas-me?)

Abranda agora o balouço. Numa luta ganha contra a gravidade, paro uns instantes perto de um céu inerte, indiferente a mim, e depois desço vertiginosamente. Rasgo segundos a uma velocidade tal que sou gaivota a mergulhar no mar da tua poesia que acelera a respiração e destapa a alma.

E assim me disperso sem mais nada em que pensar, bandeira de cores ao vento, vela enfunada naquele constante balouçar que não determina quem sou! Apenas me balouço livre e grata na paisagem circundante que, ingénua, se balança comigo. E sinto-me bem.

Oferece-me uma Flor

10.02.21 | Sandra

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Oferece-me uma flor

Qualquer cor,

Tanto faz!

Que a flor sempre é capaz

De me mimar por mais um dia.

Oferece-me uma flor

Comprada numa loja,

Ou apanhada num jardim,

Escolhe-a tu, para mim!

Grande ou pequena,

Toda a flor armazena

Mistério, melancolia...

Oferece-me uma flor

E dá-ma com amizade,

Ou espécie vaga de amor!

Será, assim, parte de ti,

Em dias esquecidos de mim

Em que o frio envolve,

Sem piedade, o calor.

Por Inteiro

05.02.21 | Sandra

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É dono de campos e charnecas, onde a erva solta agarra as duras geadas que o sol há-de capturar. Na chegada da manhã desafia os ventos esquivos, voa ao alto com alma de peregrino e saúda as horas azuis de um imenso céu, onde se sente maior que o tempo e o silêncio.

Às vezes, cansado, desce às árvores caladas da praceta, pousa as suas penas negras cheias de convicções em ramos duros, vazios, marcando território. E aí, dita poemas ao mundo, às outras aves faladoras que o cercam, às pessoas e aos cães que deambulam ladrando pensamentos sem lógica.

Mas inevitavelmente volta ao céu alto, onde ventos descampados sopram sobre o negro das suas asas, sobre o avançar dos ponteiros do relógio, os telhados baços e os relvados frios, onde sombras distraídas deslizam. É quando se sente maior, por inteiro. Não só dono de campos e charnecas, mas também dono de todos os céus.

Basta-me

02.02.21 | Sandra

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Aguardo-te em cada neblina que sobe, onde pinheiros e eucaliptos sopram murmúrios de musgo. Chegaste de longe, quando o Tempo era um só, e os dias sempre se uniam às noites na mudança das estações.

Nesses tempos distantes, músicas ecoavam no firmamento e segredos dormiam nas nuvens da madrugada. No silêncio imenso, guerreiros e fadas coexistiam em horas que perduravam. Tu eras então como uma espécie de viajante. Conhecias todos os lugares, os mais óbvios e os mais escondidos da visão comum do Homem. Infelizmente todos eles se dissiparam, rasgados pelas novas civilizações que se construíram. Universos paralelos, novas Eras. Guerras foram travadas e impérios erguidos. Florestas esconderam tribos, e os mares abriram caminho a grandes embarcações e novas conquistas. O mundo avançou, recuou e tornou a avançar.

E tu, tudo viste, de longe, solitário mas não sozinho. Chegaste, então, ao hoje, igual a ti mesmo: forte, resistente, guerreiro, vencedor. Alma viajante, marginal, boémia. Chegaste a mim, também, nalgum dia de neblina, talvez. Mas chegaste, e eu, sem o saber, já te esperava há muito, pois já te conhecia de tão longe. Ainda não és meu, mas sou eu tua, e isso basta-me.