Está calor, um calor repentino que cai de um céu cada vez mais escuro. O ar torna-se pesado, estagnado: nem uma só folha se move nas árvores em alerta, nem uma só erva a abanar no jardim bem cuidado. E o silêncio sente-se como matéria, cresce, à espera de um desfecho inevitável. Não sei de ti, há algum tempo que não tenho notícias tuas. Tão perto e tão longe. Não te procuro, pois a busca tem que ser mútua, e na verdade, nem sei bem como chegar a ti, como alcançar o teu lado que me conquistou no início dos inícios. É como se uma parte de ti tivesse partido para longe, para lá da esfera do espaço e do tempo, para regressar a esses mundos de onde vieste. E a parte que ficou, é-me estranha, um outro "tu". Contudo, talvez ainda penses em mim, com amizade talvez. Nostalgia, quem sabe. Quem sabe...
Um trovão ecoa lá longe, demoradamente, e, em rápidos segundos, arrasta-se pelo céu todo, em todo o lado ao mesmo tempo, chega perto, um ruído ensurdecedor, como se o firmamento fosse cair por inteiro com um enorme estrondo cá na terra. Depois, o silêncio. Às vezes, penso em tentar saber de ti. Em tempos, ao início, houve como um reconhecimento entre nós, como um reencontro de almas que outrora haviam-se cruzado. Depois, uma ausência, um regresso, um eterno silêncio teu face às minhas palavras. Por fim, o afastamento meu, o cansaço inevitável face a uma espera demorada por respostas tuas a palavras minhas deixadas à espera.
Ouve-se agora a eletricidade a percorrer as nuvens negras, um som arranhado e baixo, lembrando o som que se ouve quando paramos junto aos enormes postes de alta tensão. E em menos de uma respiração, um relâmpago ilumina tudo à sua volta, um tremendo clarão, uma explosão de luz que ofusca e obriga a desviar do céu o olhar! Seguem-se mais relâmpagos, colados uns aos outros. Não sei o que estarás a fazer neste momento, nem sei sequer se estás bem. Mas creio que continuas feliz, como sempre foste, indomável entre desafios e escritas, entre os teus cigarros e divagações em noites despertas. Gosto-te muito, à minha maneira. Isso basta-me, o gostar.
Os relâmpagos pararam. Quando parece que a trovoada abrandou, cai subitamente o raio, feroz, rasgando as nuvens ao meio como uma longa espada de fogo, queimando o ar denso à sua passagem. E abrem-se finalmente os céus, deixando cair toda a chuva contida nas nuvens que se desfazem em gotas de água enormes, pesadas, que envolvem a terra dura e seca, lançando ao ar o aroma peculiar de terra molhada! Enquanto a trovoada se afasta, já satisfeita, a chuva acalma-se, deixa-se agora desfalecer lenta e leve, doce, macia, mostrando uma natureza brilhante, renovada. Saio à rua. Ouço um último trovão que se despede lá ao longe, no céu tranquilo. Como queria tanto um abraço teu! Imaginei-o muitas vezes, e agora não sei se consigo. Algo mudou quando partiste e eu esperei. Mas algo ficou. Fica sempre, não é? E apesar do teu adeus frio, os pássaros cantam outra vez, num mundo lavado e fresco, como aquele que fica após uma trovoada súbita passar.