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Sílabas à Solta

POESIA | PROSA POÉTICA

Sílabas à Solta

POESIA | PROSA POÉTICA

Ponto de Equilíbrio

28.10.22 | Sandra

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Ah, tu sabes!
Há o sabor das manhãs abertas ao mundo, cheias de sonetos e aguarelas, quando sentimentos bons deslizam nas horas paradas no tempo, e risos se cobrem da maciez âmbar do outono!

Há as palavras de coloridos versos que se estendem lá longe, onde a linha do horizonte reativa promessas desfeitas, onde voam as gaivotas que embarcam nas nossas palavras não ditas, e que tanto dizem nos olhares entre nós trocados. Peças de puzzle.

E há o mundo, complexo e frágil ante o universo que nos abriga, cheio de todas as atribulações e intuições - as minhas. 

Chegaste e és tudo isso. Sedução, alfabeto desfeito e recriado, para dar sentido a novos eventos. O novo ponto de equilíbrio.

Não importa a ordem do dia, apenas conta a proximidade tímida e serena que nos une, algo como embarcações que rumam em direção ao pôr-do-sol, acompanhadas pelo canto das baleias-jubarte.

Tanto se diz no tudo que fica calado... Mas tu sabes! Se não souberes, eu mostro-te.

Olhar

23.10.22 | Sandra

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Quero o teu olhar demorado em mim,

Mar azul esse teu,

Sem marés nem ventos

Que moldam ondas.

Quero o teu olhar perdido em mim,

Sombras frescas de pinheiros

E perfume adocicado dos loendros

Que decoram ruas íntimas por onde andamos.

Quero o teu olhar vagaroso em mim,

Penetrante, calado,

Esquecido dos pontos cardeais e dos ponteiros do relógio.

Interrogativo.

Quero, só quero.

Rendição, confissão, sedução.

Submissão, antecipação.

E depois do olhar, o sorriso;

E depois do sorriso, a palavra,

Os sinais de pontuação,

Os silêncios reveladores, a expetativa.

Os acordes ansiosos do coração tímido, 

E o impasse da alma dorida que ganha asas e voa alto,

Porque ama e é amada.

Por fim a chuva altiva,

O cheiro feroz da terra molhada numa aceitação festiva.

E sem mais, 

O desfecho que é início, 

A entrega primordial num beijo de sabor a outono,

A força da gravidade,

Magnetismo desperto por uma paixão ofertada num fim de verão,

Porque olhaste para mim, e eu para ti...

Mas calma!

Para já,

Enquanto brumas nos estudam ao longe e o sol nos acende ao perto,

Para já,

Apenas o teu olhar entregue a mim,

Recebendo o meu olhar entregue a ti,

Olhares cheios do tanto que ambos queremos.

Porque sim, porque há tempo,

Porque gosto de ti.

O Começo

21.10.22 | Sandra

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Um dia, uma noite talvez,

Eu cruzei o teu caminho (ou tu, o meu)

E houve música felina, cheiro a maré vazia,

Vaga-lumes no calor nu fora de horas,

Lua cheia e dança de capoeira.

Vi-te então na tua escrita 

E declarei-te alma de poeta,

Profeta,

Amante nómada que conjuga letra a letra o verbo Ser,

Que queima sílabas arrancadas ao absoluto,

Num desfecho de um prazer sem nome, que quero dividir contigo.

Traçaste-me um mapa,

Chamaste-me de alma pura,

Escreveste-me a noite, 

E a noite pareceu durar "uma vida, e um momento"...

Agora todas as noites são tuas.

Porque é nelas que escreves, 

É nelas que te vejo, 

Revejo,

É nelas que me devolves a mim mesma,

Como só tu tão bem o sabes fazer.

Palavras são Gaivotas

18.10.22 | Sandra

 

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Sei que chegaste há muito, rodeado pelos segundos do mundo e pelos ciclos do sol. Nessa altura todo o teu nome era escrito em maiúsculas, e o seu significado era indefinido. E tanto tu podias ser, ou fazer! Puro pentagrama.
Sei que algumas vezes deixaste que o cansaço se aproximasse de ti para te fazer parar por breves instantes. E sei que muitas vezes cedeste à sua vontade.
E tanto eu te poderia ter dito nesses impasses! No entanto, deixei ficar na sombra palavras que permanecem intatas até hoje. Intocadas. Resguardadas do mundo, porque só a ti pertencem. Talvez um dia tu as tivesses adivinhado por algo meu que fez eco em ti, atravessando brumas que te pertencem. Ou talvez as venhas a adivinhar, quando a hora mudar de lugar, pontos cardeais erguerem-se no nada como catedrais, e secretamente eu te chamar Amor meu.

As palavras são como gaivotas: embora sigam nas correntes ascendentes do vento, num rumo às vezes nem por elas conhecido, elas permanecem livres e fortes. Presentes. Mesmo se resguardadas, como as palavras que eu poderia ter-te dito e não disse. Se vires uma gaivota lembra-te de mim e dessas palavras, cujo significado eu creio conheceres e compreenderes. E depois? Deixa-as partir no vento...

Sim, É Outono

15.10.22 | Sandra

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Manhã limpa, sem vento nem interrogações. Sobe o sol por detrás dos telhados, hoje um sol esbranquiçado apesar do calor denso. Acordam devagar as árvores coloridas, enquanto se agitam as primeiras horas do meu dia. No arrepio do sono que ainda sinto arrepia-se também a minha pele, enquanto bebo um café à janela, sobre uma praceta arrumada e vazia no cedo do dia.
Estarás a dormir? Podias ser este sol se exibe ao mundo por inteiro e entra à descarada pela minha janela, só com o propósito de se esfregar na minha alma e no meu corpo, ainda algo submisso à vontade ímpia da noite que passou.

Mas não és. Não és o sol que se esfrega agora em mim, nem sequer és parte das sombras que ele cria aqui e ali.
No entanto é outono, finalmente, e o orgulho que sinto por gostar tanto assim de ti faz-se outono também, com tudo o que de belo e intenso ele é.

Fica então o mundo mais belo, apesar dos constantes desafios que fazem parte da nossa condição humana. Sim, é outono, e gosto muito de ti! Ah, se tu soubesses! Devo dizer-to claramente, no cair do colorido das folhas, filhas de um tempo maior?

 

Nota: resposta ao desafio outono-desafio-das-palavras-sobre-nos-323624

 

 

Escrevo-te

12.10.22 | Sandra

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Escrevo-te de longe, tão longe,

Para lá de mim mesma,

A partir da noite ímpar, desperta do sono vadio,

Onde silêncios se colam em brumas

E traças se encantam na luz.

Contemplei-te certa vez,

Num limbo distante, no limiar do Tempo.

Quedavas em surreal espanto nas águas paradas do infinito,

Quando cidades distantes se calavam

E a noite marginal te carregava em si.

Escrevias.

Sonhei-te mais perto desde então,

Mil vezes haragano o teu nome,

Em horas imensas e etéreas.

Amei-te para sempre,

Quebrei estrelas por aí,

Desfiz ventos que alisavam desertos,

Até a poesia rasgar-se toda ela.

Foram noites tontas de ti,

E eu escrevi, também!

Amo-te agora, ainda mais,

Em silêncios arrebatadores

Que nos abrem os caminhos que já foram nossos um dia.

Sim, o universo acolhe-nos,

Recebe-nos de novo,

Porque somos noite, também.

É de lá que eu te escrevo,

Prezando o silêncio solene que permanece.

 

Dono do Tempo

10.10.22 | Sandra

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Do teu coração saiu a lua cheia,
Detentora de mitos e marés! 
O crepúsculo fez-se noite,
A noite fez-se Mulher, 
E cheia de amor,
Sentou-se aos teus pés.
Escreveste sonetos
E essa mulher fui eu.
Tu foste dono do Tempo,
E o amor aconteceu!
Agora é outono, eu estou aqui.
Vamos descobrir estrelas?

Probabilidades

07.10.22 | Sandra

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Talvez tenhamos vindo de tempos diferentes. Ou talvez o nosso tempo fosse o mesmo, mas tivéssemos decidido caminhar por ele a diferentes velocidades. Contudo, se eu te emprestar o meu tempo, tu emprestas-me o teu? Se eu me aproximar dessas névoas que fazem parte de ti, envolves-me num abraço que dura todos os segundos de horas ainda não preenchidas? Se eu fechar os olhos, sentirei na minha pele as lentas e leves carícias tuas, que são madrugada, crepúsculo e poesia dentro da própria Poesia?

Diz-me, como te dizer que gosto de ti? Que palavras usar? Deverão ser elas feitas da imensidão de outros mundos que se sobrepõem a este nosso? No tempo em que os anjos falavam teria sido mais fácil. Nessa altura, as palavras eram simples, e os significados de tudo eram vazios de segredos, embora permanecessem alguns mistérios e enigmas.

Mas o mundo avançou e os anjos calaram-se, já não falam mais a nossa linguagem. Entre importantes descobertas e invenções dos primeiros seres humanos na Terra, entre tremendas batalhas evolutivas, o grande desencontro entre espécies, e as guerras pelo poder e pela supremacia, o mundo avançou, embora pareça recuar cada vez mais, para lá dos nossos esforços e vontades, e daquilo que faz de nós simples humanos...

Em todo o caso, vindos ou não de um mesmo tempo, eu e tu, algo inquebrável nos une desde sempre, como uma forma de energia que escapa ao conhecimento científico e que invariavelmente nos leva sempre a um mesmo ponto no caminho - aquele que nos faz ficar frente a frente um com o outro. A partir daí, nem esses anjos que outrora falavam saberão qual o nosso desfecho. Acho que está escondido contigo, dentro das tuas brumas. Mas ah!, a cada novo dia, o mundo enche-se de novas e infinitas probabilidades. Sabes? Talvez uma delas se torne a nossa.

Chama-me Lisboa

05.10.22 | Sandra

 

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Se me encontrares
Escreve o meu nome
Sobre todos os telhados da cidade
Que abrigam ninhos de andorinha
E sobre as águas-furtadas de janelas abertas à claridade do rio,
Onde o sol catita se senta a ouvir o alegre assobio de algum apaixonado que passa.
Escreve o meu nome por aí,
Ruas, ruelas, becos e pracetas,
Nas fontes rodeadas de turistas, no chafariz onde a concertina toca,
Ou no jardim público onde descansas de amores e desamores. Gosto de ti.
Escreve o meu nome por passeios antigos e esplanadas novas,
De onde se avista a ponte imensa que namora as margens enevoadas;
No elevador histórico, no castelo ou nas colinas, sete vezes as letras do meu nome,
Como gaivotas, varinas, traineiras ou fado.
Ou marcha popular que desfila em festa, quando o elétrico cruza os carris e o cheiro guloso da sardinha assada.
Se me encontrares escreve (em letras maiúsculas, se quiseres) o meu nome por todo o lado,
Para eu saber que me encontraste deveras, e que me reconheceste para além do sonho ou da imaginação. 

Por fim, enfim, chama-me Lisboa.