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Sílabas à Solta

POESIA | PROSA POÉTICA

Sílabas à Solta

POESIA | PROSA POÉTICA

Estrelas

25.11.22 | Sandra

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Está muito frio. Num céu que aumenta a sensação de vazio e de solidão, já brilha a primeira estrela, enorme! Estamos na era das estrelas. São biliões, só na nossa galáxia. Um dia todas elas apagar-se-ão, uma a uma, mas por ora enchem os céus, os cadernos dos poetas e os corações dos amantes, em forma de poema puro.

Os anjos estão por todo o lado. Não os vemos, muitos deles escondem-se dentro das pessoas. Nesta noite, também eles observam as estrelas. Mas sabem mais, muito mais do que nós, humanos; muito mais do que os astrónomos e os astrofísicos, os filósofos, os céticos e os religiosos.

Faz-se tarde. Na noite que cumpre desígnios por nós desconhecidos, o frio adensa-se. De longe, de muito longe, num lugar escuro, silencioso e gelado, observam-nos as estrelas também. E de lá do alto, onde as estrelas medem forças e moldam a realidade, a noite cá em baixo parece maior, um gigante vazio cheio de nada, onde a raça humana mede também ela forças, tenta moldar a sua realidade e a dos outros. Mas continuamos sem saber nada. Apenas existimos. É essa a nossa condição.

Tua

18.11.22 | Sandra

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Acordei muito antes das chuvas, antes de todas as eras que ficaram para trás, num caminho absoluto entre mim e os dias do mundo por contar. Porque afinal os séculos têm a dimensão dos minutos que correm loucos nos passeios molhados pela chuva fria, e os minutos estão cheios de todos os séculos que se arrastam pelo tempo como grandes manadas ao longo da floresta virgem. O agora decifra-se, decompõe-se e recompõe-se. O oculto, o abismo, a dimensão espiritual atada com nó cego a um lado nosso físico, carnal. E agora só quero amar, amar-te muito e mais um pouco, mais ainda se possível, numa lucidez intemporal. És tu reencontro, reconhecimento, recordação feita jogo de espelhos quando um fogo se espalha pela alma. Poesia e prosa entrelaçadas numa só única palavra, nunca antes mencionada. E o mundo agiganta-se perante um coração que se faz de novo pequenino, o meu. Porque é ele de menina, mulher... tua.

Caminhante

13.11.22 | Sandra

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Tu sabias o tempo, os passos e os compassos de espera. Não era à toa que manhãs autênticas desciam a encosta da Serra que escorregava até ao teu mar, e sombras se revezavam com musgos e ervas agrestes quando os teus passos rompiam caminhos - só para te saberem ali tão perto.
Enquanto avançavas no tempo decifravas todos os humores que carregavas nos teus bolsos, junto com viagens mundo fora neste mundo louco, tua pertença, onde tudo foi teu. Faltou-te a lua, e só a lua.

No instante de um dia deixaste para trás o inevitável junto com mar e serra. Ponto cardeal: desconhecido. A incógnita.

Por ora estás longe, até de ti próprio. Mas nessa distância que se fez obrigatória, talvez os teus bolsos estejam agora mais leves e caibam neles o teu lado mais humano. Ou divino. Puro. Quem sabe ainda te venhas a espantar com a simplicidade daquelas coisas que atraem a alma com uma força tão poderosa quanto a da gravidade ou do magnetismo. Acho que por essa altura novos caminhos virão a descobrir-te neles, para neles tudo ganhar sentido, até seres tu o teu próprio sentido.
Tens uma força aparentemente adormecida, a força cinética. Usa-a, ela levar-te-á onde precisas de ir. Afinal, tudo (de bom) vem aquele que se movimenta enquanto espera. Encontra-te, para que eu te possa encontrar também. E depois, ama-me.

Primeira Estrela

06.11.22 | Sandra

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"A primeira estrela que eu vejo, Realizo o meu desejo..."

O Universo expande-se e arrasta tudo com ele. O crepúsculo abre-se por inteiro ao firmamento, e o piar das aves ecoa ao longo do escurecer que vai acendendo os candeeiros de rua.
Hoje não há vento nem nevoeiro, nem sequer aquelas névoas transparentes que costumam subir misteriosamente do mar e envolver tudo num manto branco surreal, fantasmagórico. Hoje não, está uma noite quente e seca.
Sentada no alpendre que cheira a madeira seca, procuro a primeira estrela num céu aberto. Os antigos diziam que poderíamos pedir um desejo à primeira estrela por nós avistada em cada anoitecer, e esse desejo realizar-se-ia. Reminiscências de superstições, mitos e lendas, que viajaram ao longo da poeira dos séculos, querendo abalar as nossas convicções. Pergunto-me se a superstição e a fé não serão crenças intrinsecamente ligadas entre si, sendo quase a mesma coisa? Não sei. Talvez...

Encontro uma estrela - a primeira - um brilho ainda muito ténue. Ali ao lado, outra estrela. Outra, mais adiante. E a lua crescente, discreta na noite que se adensa.
As folhas dos plátanos estão quietas, sideradas também elas pelo calor da noite embriagante que ofusca os sentidos.
As ruas silenciosas são garatujas, pequenos traços perante tudo o que faz a humanidade mover-se. Esse movimento contínuo de força cinética está para além de qualquer desejo que fosse por mim pedido à primeira estrela do céu. Deixo o meu pedido para outra noite, afinal haverá ainda, por muito tempo, estrelas dispostas a nos ouvirem. Por ora, sobrevivo.