Conversas Com o Vento
Talvez o vento já me tivesse falado de ti. Não um vento qualquer mas uma brisa cálida, daquelas feitas de arabescos que percorrem as estradas secas e quentes das aldeias em tardes cor de âmbar, quando o verão domina os pontos cardeais e nos beirais andorinhas observam a vida abrandar.
Talvez o vento já me tivesse falado de ti e eu, distraída pelos caprichos da vida, não tivesse prestado a devida atenção. Mas era inevitável: o vento far-se-ia ouvir até tu chegares a mim, afinal uma espécie de força tinha sido colocada em movimento e eu estava no seu caminho. No teu, também.
Agora somos nós quem falamos ao vento, palavras como balões lançados ao alto. Falamos-lhe de comboios que ainda não esqueceram a nostalgia das antigas estações e apeadeiros; de cais estrangeiros onde o sol brilha sempre, quando o relógio do mundo balança num suave ondular como uma embarcação deixada ali por corsários que já cá não estão. Ou então, quando as noites estivais são anormalmente quentes, falamos ao vento sobre desertos imensos onde coiotes deambulam e meteoritos rasgam o céu escuro e denso.
Mas acima de tudo, falamos ao vento sobre quem fomos e quem agora somos. Porque um dia chegaste a mim (embora já eu estivesse no teu caminho) e desse dia em diante civilizações criaram história, cidades ergueram-se e poetas criaram enredos e entrelinhas só para falar de amor, espantar o mundo e desafiar religiões. Antes, éramos somente incógnitas. Sementes em mutação.
Não sei se um dia algum poeta escreverá sobre o nosso amor. Ou se ele será pintado numa tela pura, ou cantado ao som de uma concertina ou violino. Mas essa história, a do nosso amor, é a que mais vezes contamos ao vento. Afinal foi ele que, sobre a forma de brisa cálida, me falou de ti - por já há muito saber de nós, muito antes de se vermos pela primeiríssima vez. É essa a sua história preferida. Também é a nossa.