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Sílabas à Solta

POESIA | PROSA POÉTICA

Sílabas à Solta

POESIA | PROSA POÉTICA

Equilíbrio

22.04.23 | Sandra

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Fecho os olhos no amordaçar do silêncio da noite. Está calor. Sob um céu pleno de estrelas tropeçam ideias caprichosas, cheias ainda do teu cheiro e do roçar do eco de antigos deuses que falavam de nós. 

Hoje parece tudo tão distante: as gentes e os seus caminhos que lembram cadernos antigos cheios de anotações, os cães que se passeiam pelos becos farejando fantasmas, as crianças que dormem enquanto derrubam dragões e conquistam castelos. Tudo distante para lá da noite, a anos-luz de mim e do meu sono que chega devagar trazendo mapas que não sei interpretar - nem quero, já que nada tenho a ganhar com isso.

Na cidade ao longe brindam-se amores, negócios obscuros e aventuras sem nome. Para lá dos brindes fecham-se ciclos, e o Mundo recomeça a sua frágil dança, indiferente à Humanidade.

Mantenho os olhos fechados enquanto a minha respiração abranda. A respiração do deserto. Na nudez da minha pele encostam-se já outros tempos,  palavras tuas que, de forma sorrateira, foram promessas sinceras e sonhos reais. Tempos idos.

Num impulso ousado puxo para cima de mim esses tempos e abraço-me a eles. Reencontro-me. Por momentos és tu quem está ali novamente comigo, melopeia e madrepérola, poesia e sintonia, luxúria e pradaria onde o sol brilha. Pontos cardeais em contos. Imaginação.

Abro os olhos, tu não estás. Claro que não, tudo está como supostamente deve estar. É esse o ponto de equilíbrio para a devida ordem das coisas, ainda que ao longe órbitas sejam alteradas pela tremenda força da gravidade, ou estrelas expludam lançando no vácuo novos materiais.

Tu não estás, mas agora já nada me parece distante para lá da noite. Pelo contrário, tudo é de novo parte de quem eu sou, tal como eu sou de novo parte do mundo que me acolhe e me aceita, com todas as minhas forças e fragilidades.

E o silêncio da noite deixa de amordaçar quando fecho os olhos. Equilíbrio.