A Melhor Hipótese
As cores acendem-se na luz da tarde sossegada. O derradeiro calor marca a viragem do tempo e senta-se comigo nos bancos de jardim. Pombos assustados levantam voo para longe, levantando folhas do chão. Um grupo de miúdos esmaga o relvado, persegue-os, tenta apanha-los. As pessoas conversam de forma descontraída sobre os cheiros da nova estação que chega e questões políticas que desassossegam. Um cão feliz ladra aos patos indolentes do lago, que na segurança da água fingem não o ver ou ouvir.
Quando um segundo se transforma no outro, firma-se a certeza de que te vou ver a qualquer momento. Sempre essa certeza. Porque um dia reconheci-te nas primeiras horas das primeiras palavras por nós trocadas. Limbos desertos tão cheios de nada, na sensação de te conhecer desde sempre.
Reconheci a tua presença, algo tão singular e tão forte que só pode ter vindo doutros mundos misteriosos que sabiam de nós. E desde aí, de forma impercetível, rapidamente firmaste bons sentimentos em mim. É só por isso que eu passeio pelo jardim do campo que é cidade, neste outono que é nostalgia sem tempo e, simultaneamente, avanço. Porque eu sei que estás por perto, porque poderei ver-te a qualquer momento, mesmo que seja para te olhar de longe e dizer para mim mesma: "As coisas estão bem tal como estão. É esse o equilíbrio que deve ser mantido. Senão, nem valia a pena ser outono".
E depois, talvez depois, com o coração a bater mais forte, ajeitando o cabelo, depois talvez eu vá ter contigo e te fale finalmente sobre as sílabas à solta que são eu. É essa a melhor hipótese.