A Ti
Consegues ouvir-me?
Vi-te chegar ainda mesmo antes de saber que te esperava, e senti-te perto, muito antes de ver de perto a demora do impasse no teu rosto calado, e o peso das eras no teu olhar concentrado, cheio de interrogações e admiração. Vi-te chegar sem saber bem de onde, e só soube que eras a pergunta primária e a derradeira resposta. Rascunho e obra final.
Vi-te algumas vezes depois dessa primeira vez. Contemplavas-me ao longe, embora na maior parte das vezes fosses apenas sombra esquiva, o gamo que se esconde assustado no negro da floresta densa ao ouvir o som dos passos dos caçadores, num silêncio confundido com a quietude do sol estival que queima caminhos com a sua luz forte e intrusiva.
Um dia deixei de te ver. O mundo pareceu-me muito maior e vazio. Procurei-te não uma mas muitas vezes, e sempre foi em vão essa procura. Apelo sem resposta. Parecias ter desaparecido para lugares por mim desconhecidos, ainda antes do próprio verão de então desaparecer também ele dentro de um outono ainda cheio de poeira, calor e desejos.
Mas não. Quando a esperança já caía ao chão junto com as folhas cansadas e secas do fim da estação, vi-te novamente. O meu mundo derrapou e acordou de novo. Reencontrei-me então.