Aprendiz Peregrino
É este o momento da nossa singularidade, vem cá. Vês ali ao longe as névoas douradas que se agitam lentamente à subida dos céus? Brumas que repousaram pela calada do escuro, e que agora se esfarrapam, despem, desfazem na luz que deforma e arruma fragilidades?
Parecem esperar por nós, aguardar que os nossos passos atravessem espaços de silêncio e contenção, para serem compreendidas finalmente, para que a sua substância se dissipe, realizada enfim, num sol concreto de palavras ambíguas, outrora sumidas, agora reconhecidas por nós.
Vês como o campo resplandece, como a erva rasteira sacode o orvalho, como as copas das árvores se expandem no cheiro firme da terra ainda fria e molhada? Como o silêncio é húmido e palpável, colado aos nossos risos e poemas? Repara como se vinca a sensação de intensidade, de clareza, de paz alcançada, de segurança. De confissões realizadas, confirmação! E já é dia!
Nada interfere na natureza deste lugar que é nosso, e tanto fica diluído nesta vastidão que se despe às nossas descobertas, nos abriga, esconde, sugere secretamente.
Vamos, vem, a neblina parece afastar-se e eu quero as certezas dela, saciar interrogações, deslumbrar-me com o espanto de tudo, antes de falarmos de nós! Mas antes ainda, antes de as brumas serem eu, tu, nós, dá-me a mão, aprendiz-peregrino, dá-me um beijo, o teu beijo, feito ele também aprendiz, também peregrino. Depois, vamos então!