AREAL
A tua infinitude revela-se em vastidão de incontáveis grãos de areia, deitados às carícias do vento que se arrasta ágil, sobre ti. Despes-te do sol, que do alto ilumina-te de altivo dourado e respiras leves poemas esquecidos de apaixonados amantes de outrora.
Livre na tua imensidão, entregas-te à liberdade de um mar sem fim, em intermináveis diálogos com as ondas que se desfazem naquele limite que parece separar mar de terra. É onde acolhes gaivotas em bandos, que silenciosas, olham nostálgicas o horizonte distante e pleno de velhos sonhos. Às vezes vejo-te, areia, distraída do Tempo, ausente de tudo, relaxada, a olhar as pedras lisas e as conchas vazias que te enfeitam, belas nas suas perfeitas formas, esquecidas das marés.
Trazes de ti, vasto areal, algo do espaço primordial, onde as primeiras estrelas se formaram e cedo explodiram. Conheceste as várias idades da Terra, as suas mudanças, e os eventos que a moldaram. Compreendeste os segredos das estrelas, o mistério do Universo que se move imenso por cima de ti e as águas subterrâneas que deslizam silenciosamente nas mais escuras profundezas. Sabes que mundos existem para lá do que a Humanidade descobriu e testemunhaste os passos dos primeiros Homens. Recebeste relâmpagos e dormiste sob as chuvas intermináveis.
E no fim, tudo o que mais te arrebata é o pôr do sol, a lua cheia, o canto do mar dormente e do farol que se lamenta em dias de nevoeiro. Tanto que tens e tão pouco te basta. Talvez por isso eu goste de me sentar em ti, areal meu cúmplice, e contigo partilhar o meu Eu enquanto vejo o Mundo girar para lá da nossa praia.