Passagem do Tempo
As horas envolvem-me em abraços sem escrúpulos. Não consigo arrancar-me aos minutos e segundos que me prendem os sentidos. Cada avançar de ponteiros marca-me sem questionar a minha vontade. Tudo o que resta é amar as horas que caminham aninhadas ao meu colo, alheias aos passos que dou.
E há horas que correm junto com cães rua abaixo, levando com elas sonhos que não guardei. Deslizam pelo alcatrão quente do sol apregoando o sentido do dever, do ter de fazer, pisando desejos meus.
Mas há ainda aquelas horas, essas outras...
São sentido de um todo, passeiam-se sem tempo por este meu coração de menina-mulher que ainda se deslumbra com a vida e o mundo. Pois o sentimento e a razão passeiam-se cúmplices de mão dada pelas esquinas da noite, acolhedora dos meus segredos. E é nessas horas noturnas que a alma se despe, boémia, solta, sem a pressa das badaladas. Nessas horas o Tempo é doce amante que escuta sem pressa palavras minhas que balançam ao embalo do vento do mundo.