Certezas Frias
São noites gélidas, estas. Pressentem-se pensamentos singulares que o frio sempre me traz, sentimentos chegados do passado longínquo, ao agora. É isso mesmo que acabará por acontecer, conforme a lua for subindo no céu que por ela se deixa, sem esforço e com agrado, dominar. Tenho a sensação de que se eu falasse com a noite, ela me responderia. Está um frio duro, cortante, que pica, belisca. Nada se move no jardim e nos campos à minha frente. Nem uma folha, nem uma erva. E nem um fragmento de nuvem desfeita no céu. Hoje não se ouvem as aves notívagas nem os insetos que sempre marcam presença nas outras noites. O silêncio é quase demolidor e, ao mesmo tempo, reconfortante. Tu, ao longe, também estás acordado, eu sei. Alma impetuosa, arrebatadora, cheia do conhecimento do mundo mas tão vazia de tanto mais. E eu lembro-me de ti. Olhando o céu gelado e fofo por cima de mim, lembro-me de ti por inteiro, entre o teu mar e a tua serra. E sinto-me perdida. Já não sei o que deva pensar, o que deva sentir. Quase que pergunto às nuvens: "Será melhor eu desistir? Deixar ficar para trás?".
Que hipóteses tenho eu, perante tudo o que faz parte de ti? É uma luta desigual e injusta, para mim. Não vale a pena o esforço, o empenho, os "E se?" cegos e vagos. Decido que é tempo de focar-me em tudo o resto que faz parte da minha vida, do meu dia a dia. Isso sim, é o que realmente conta. Não passados, que afinal ainda são presentes, e que nada me trazem a não ser a certeza do não concretizável. E eu sou mais do que tudo isso!
A noite congela tudo o que a ela está exposto, e só consigo sentir sincera tristeza por aqueles que não têm como escapar a um frio assim, que pica como agulhas. Não há vento, nem geada ou humidade. É um frio seco, orgulhoso. Hora de ir descansar e conseguir algo que me distraia a mente. Não quero pensar em ti. É tarde. Mas agora, é tarde para ti também.