Ciclos
Fim de dia. As mesas do café estão todas ocupadas. A soma de todas as vozes descontraídas que nos rodeiam saturam o ar numa confusão alegre. O inesperado movimento teu que mantém as nossas mãos abraçadas uma à outra, por um momento e outro mais, surpreende-me positivamente.
O tempo que nos cobiça como a fera cobiça a sua presa, leva as nossas mãos a desfazerem com relutância o abraço que as unia porque de facto é tarde, pelo menos assim nos dizem os nossos afazeres ainda por cumprir.
Soltas as nossas mãos, um olhar. O olhar. O parar do pêndulo do relógio que governa o mundo. De novo, o mesmo olhar a ligar-nos. Um toque ávido entre um e outro. Intenso. Uma corda que vibra, fazendo outras cordas vibrarem dentro de nós. Tudo aquilo que é dito no silêncio cru que se senta connosco, torna-se um significado amplo que só nós compreendemos. Temos que sair dali.
*
A procura urgente de um refúgio entre as sombras das árvores (sombras que se fazem e desfazem só para nós), porque precisamos de estar juntos - e sós.
O calor extremo na tarde encoberta. Roupas coladas aos nossos corpos. Um beijo. O beijo. Uma espécie de corrente elétrica que passa de um ao outro, por dentro e por fora dos nossos corpos, como o pressentir do relâmpago que está prestes a rasgar os céus antes da chuva cair com toda a sua força.
Por fim o abandono, a entrega ao inevitável, eu e tu. O tempo tombado no chão como confissões feitas à pressa: passado, presente e futuro num só mesmo respirar. Finalmente, o reencontro e reconhecimento de almas: o cumprir dos nossos próprios ciclos, nos antigos ciclos desfeitos um do outro, regenerados agora.