Dedos em Noite de Luar
Noite. Lua quase cheia num céu estranhamente claro. O luar pálido entra em sussurros pela janela e deixa-se cair como uma melopeia sobre a minha cama, fazendo sobressair o branco dos lençóis. Leio-te com uma calma invulgar. Sem pressa.
As palavras parecem evaporar-se dos teus poemas para se deitarem comigo na hora calada. Por um truque da mente, sinto os teus dedos inquietos (esses dedos machos, escritores), a percorrerem loucos as ruas do meu corpo, traçando serenatas e despertando sinais nas vagarosas encruzilhadas.
Leio sempre, não quero parar. Não sei o que estarás a fazer neste momento, quando no alto do céu em silêncio longínquo a Lua e Saturno olham-se de frente, sem retoques.
Nem sei se entre as letras das tuas constantes dúvidas pensarás em mim. Mas eu leio-te, e com esse gesto tenho-te aqui entre os meus lençóis, como brumas que arrastam lendas e mistérios, desde as primeiras partículas saídas da grande explosão cósmica; ou como acordes vertidos de uma guitarra que acompanha uma tímida declaração de amor.
Não sei como consegues: a tua escrita conduz-me sempre a lugares que até hoje eu mal conhecia, mapas dobrados em gavetas há muito tempo fechadas. Leio-te, e nunca sei o que determinar, o que concluir. Apenas aceito o sentir que chega a mim com a pressa de um telegrama, apenas acaricio o traduzir e soletrar desses dedos teus que escrevem, que conjugam todos os verbos que esta noite arrepiam a minha pele tocada também pelo luar, num misto de desejo e quietude, ausência e presença.
E os teus dedos vagabundos na noite, da qual és o senhor, tornam-se os meus, na poesia tua que leio e que me percorre o corpo em êxtase. Mas tu não sabes...