Despertar
Janela aberta ao acordar vagaroso da praceta. Sol que chega triunfante para sacudir do dia restos que a noite deixou ao partir. Horas caminham sobre as asas dos pardais, andorinhas e rolas. No rebuliço do dia espreguiçam-se árvores, com as suas folhas barulhentas lembrando o amachucar de papel fino. Cães ensonados farejam o relvado e palavras que hão-de preencher os teus poemas nos vagares do dia. As mesas de piquenique, vazias e frias no cedo da hora, observam a linha distante e lisa do mar, para lá das casas de cal branca, brilhante, com roupa a colorir estendais. As colinas escuras da outra margem, ainda cobertas por uma espécie de nevoeiro baço, parecem exibir-se aos campos atulhados de flores secas e ervas agrestes, que emanam um odor forte, muito próprio.
Deixo-me ficar à janela. Rosto ensonado, cabelo em desalinho, ombros nus onde o calor do sol se roça e a brisa se insinua. Fecho os olhos ao dia que se abre. Manhã tranquila. Fé, confiança, certeza, oração. O meu Deus, a minha família. Tu? Certamente! Visto um casaco fino e aqueço um café, que bebo enquanto a manhã se espalha por todo o lado e fala-me de ti, que não compreendo.
Ainda dormes? Acorda, ama-me...
Atiro os devaneios ao alcatrão das estradas que serpenteiam para lá do jardim. Não é este o momento. Agora pertenço ao frenesim do dia que agita humores e forças. É hora de despertar também.