Divagações
Foi fácil chegar a ti, quando tu vieste de um tempo tão longínquo só para chegares a mim também.
Os teus olhos eram o perfume que a terra seca liberta quando recebe nela as primeiras chuvas; na tua voz sentia-se o sal e o sol de todas as praias, em intermináveis dias quentes de verão; e cada gesto teu tecia cada um de todos os nossos sonhos, prazeres e coincidências.
Mas trazias nos bolsos gaiolas cheias de fantasmas vivos, que te murmuravam palavras tão duras e frias como o núcleo dos cometas distantes que varrem o universo desconhecido. Podias ter ordenado que se silenciassem para sempre mas preferiste ouvi-los, a esses fantasmas - até passares a ser um deles. Quem te irá querer agora?
Talvez um dia apareças novamente vindo de algum outro tempo longínquo, habitado por estranhos seres, rezas e mezinhas; talvez um dia apareças de lá só para me veres de novo, e dentro das gaiolas que sempre carregas (pois são parte de ti), venham apenas flores, poesia e brisa cálida com sabor a carícias íntimas. Talvez aí, nesse momento, haja amor novamente e eu regresse também para sermos um só.