CICATRIZ
Uma criança muito suja atira pedras a um cão.
O cão não foge.
Esquiva-se
E vem até junto da criança
Para lhe lamber o rosto.
Há, depois,
Um abraço apertado,
De compreensão
E de amizade.
E lado a lado,
Com a mãozinha muito suja no pescoço felpudo,
Lá vão, pela rua estreita,
Em direção ao sol.
(António Salvado, in "Cicatriz”)
Nota: Fica a simbologia do conto. Entre seres humanos passa-se o mesmo. Não certamente com pedras mas palavras ou atitudes face àqueles que jamais desistem de nós. A criança, essa, na sua revolta ou luta interior, não queria sinceramente afastar o cão. O cão, na sua sabedoria e força, pressentiu-o. E lutou contra a vã tentativa da criança em mantê-lo longe. Porque essa tentativa de afastamento era, no fundo, um apelo que murmurava um "Fica !". No fim, o amor vence.