Formas
O fim de tarde pousa para lá da janela aberta, feito cetim que sustenta nos braços o cantar das aves que regressam às copas das árvores.
O ar faz-se leve, fresco, como uma manta onde se sentam os risos despreocupados das crianças que brincam na praceta, enquanto cães mastigam o relvado e melros voam soltando recados à noite que está para chegar.
Nada se move neste crepúsculo que parece cantarolar, a não ser pensamentos meus sobre ti. É estranha esta visão do anoitecer, é como se te rendesses perante mim nos ecos das luzes que se vão acendendo um pouco por todo o lado, no perfume próprio do jardim que se recolhe à quietude do sono, nas vozes das pessoas que ainda continuam sentadas nos bancos lisos do parque.
Na zona das mesas de piquenique, alguém liga um rádio e deixa a tocar uma música antiga, enquanto acende uma fogueira. No fumo que sobe alto para lá dos sentidos, recrio formas abstratas, imaginárias. Conseguirias tu imaginar-me nesse fumo que se solta na friagem parada da noite, se estivesses perto? Verias tu, nesse ondular desperto, formas minhas? Mas nem vale a pena pensar nisso: são somente pensamentos que tombam sem sentido em mim, enquanto se adensa no ar o cheiro da madeira que arde na fogueira crepitante.
A noite chegou agora em toda a sua magnitude. Tudo o mais fica sem sentido. É hora de fechar a janela ao mundo e chegar a mim mesma, à hora do silêncio e do descanso. Quem sabe? Talvez mais logo volte a pensar em ti, desta vez sem interrogações...