Quando Praia
Está frio. O mar apresenta uma tonalidade que faz lembrar o chumbo derretido. No areal de aspeto triste, vago, só algumas gaivotas meditam a tarde cinzenta.
Não estou lá mas sei. Sei que antes de caminhares pela praia desolada, estiveste ausente de ti, perdido nos teus pensamentos enquanto olhavas para as tuas árvores adormecidas, numa tentativa de te reencontrares. E agora caminhas pela grande solidão das horas, sozinho tu também, o cabelo que lembra a espuma branca deixada pelas ondas tristes, que mal se ouvem, os sapatos a marcarem a areia fria, dura, daquele lugar mais teu que de outro alguém.
Sentas-te cansado no tronco enorme que um dia foi árvore, e que há muitos anos foi trazido por alguma tempestade para repousar, enfim, deitado na tua praia, onde permaneces por muito tempo. Quero muito sentar-me ao teu lado, observar-te bem enquanto contas histórias de lugares que não conheço, de mundos que me são alheios. Quero olhar para ti até conseguir realmente ver e ser.
Um dia tomaremos juntos nesse lugar algum chá exótico levado num termo, ao som do breve vento que enrola as ondas e carrega aos ombros gaivotas felizes. Ou brindaremos no aconchego duma tarde a algo bom que nos liga, e que chegou para ficar no amanhã.
No areal gélido repousam arrepiados pequenos ramos, folhas ou conchas partidas. E tu és o calor em praia fria, que aquece a areia húmida da maré que foi, e o Eu que amanhã serei.