Não Me Esqueças Nunca
Não te esqueças de me lembrar.
Não te esqueças de te lembrar que o mesmo céu nos abraça, que o teu sol entrega-se em mim, e que na noite partilhamos estrelas.
O mundo avança e nele avançamos juntos. Neste momento, civilizações crescem. Filhos dão os primeiros passos. Namorados dão o primeiro beijo. Olhares trocam-se entre desconhecidos num comboio que segue a alta velocidade. Algures, um médico salva uma vida, e um pedreiro sonha em regressar a casa, enquanto contempla cansado o muro terminado de construir.
Em algum ponto do mundo uma vela é acesa, um pinheiro cresce, um leão caça a sua presa. Num segundo, alguém abraça alguém e um locutor narra uma notícia importante. Uma ave migratória choca os seus ovos. Um violinista ensaia a sua pauta. Um candeeiro de rua apaga-se. Uma mariposa repousa. A brisa sopra. Uma mota atravessa a marginal. Um pavão exibe-se, enquanto no lado oposto do planeta fogo-de-artifício explode em espanto.
Algures, um grupo de velhotes joga às cartas e um menino aprende a andar de bicicleta.
O mundo não para e não permite que me detenha. Não te esqueças de me lembrar que tenho direito a interromper-me. Lembra-me que hoje posso ser melhor que ontem, e amanhã melhor que hoje. Lembra-me que tenho direito a sonhar, a errar, a fracassar, a reerguer-me e cair de novo, se preciso.
Não te esqueças de me lembrar que tenho direito a ser frágil, a ser mulher, a querer, a ousar, a fazer (de novo) as pazes com Deus e a esquecer. Não esqueças de me lembrar que tenho direito a ter direito e a pedir, a receber algo bom. A agradecer, também.
Algures, carros cruzam a estrada a alta velocidade. Uma folha cai de uma árvore. Aves migram. Num lugar, o Sol nasce. Noutro, a Lua nova brilha num céu estrelado. Em algum ponto do mundo, crianças ouvem a sua professora e idosos trocam, ainda tímidos, um beijo. Noutro ponto do globo, o mar rebenta contra as rochas. E, num deserto qualquer, camelos seguem em fila, carregando mercadorias pelo calor tórrido. Em alguma esquina, alguém envia a partir do telemóvel uma mensagem importante. Um grupo de monges budistas entoam os seus cânticos. Dois presidentes selam um acordo com um aperto de mão. Uma bailarina treina. E, algures, uma orca alimenta-se num vasto oceano. Num sítio, a monção chega arrebatadora. Noutro, um satélite é lançado ao espaço. Os embondeiros crescem. Uma gaivota pousa numa embarcação e, para lá do horizonte, uma cidade brilha à noite.
E tu, entre tudo!
Lembra-te de me lembrares que eu também sou do mundo, com tudo o que tenho de bom e de menos bom. Recorda-me, sem esqueceres, que tenho direito a olhar aquela nuvem, a esconder aquela lágrima, a pisar aquele relvado, a ouvir aquela música, a saborear aquele olhar. A ser de Deus. Tua, talvez.
Não te esqueças de me lembrar que nem tudo está perdido. Que ainda posso ser simples, humilde. Que continuo a possuir a minha Fé e o meu Deus. Que ainda tudo pode ser melhor.
Não te esqueças de me lembrar. Não me esqueças. Eu… nunca! O mundo avança!
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