Não Respondo
A noite está parada mas não calada. Ouvem-se cigarras, relas, melros. Folhas secas estalam sob as patas felpudas dos cães, que provam a noite amena. Um grupo toca as suas guitarras junto à fogueira que nunca se apaga, e nos ramos parados das árvores senta-se um silêncio abafado.
Os globos poeirentos dos candeeiros de rua atraem insetos, traças, enquanto no alto da serra o Palácio tudo observa, iluminado, sob o voar cauteloso da coruja que persegue a sua presa.
Não sei como é a tua noite. A minha tem o cheiro da resina e da maresia, da terra remexida e da hera fresca. Não sei como é a tua noite, mas sei que eu e tu olhamos o mesmo céu, as mesmas estrelas. A noite conhece-te bem, desperta-te. Desta vez, também a mim me despertou. O banho tardio que decido tomar leva-me a ti. Pensas em mim, último dos últimos?
Na água quente que se deixa levar pelas ruas do meu corpo, estão as tuas mãos vadias, feitas desta noite etérea, com os seus sons e brilhos, das tuas brumas de sempre, dos estranhos sonetos que escreves com um cigarro solitário por companhia. Há tanto tempo que deixei de ler o que de ti partilhas...
O vapor de água que me cerca pergunta-me por ti.
Sou caprichosa, não respondo.
Não me apetece.
🇺🇦