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Sílabas à Solta

POESIA | PROSA POÉTICA

Sílabas à Solta

POESIA | PROSA POÉTICA

Noites Marginais

07.08.21 | Sandra

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Na hora clandestina da noite sossegada, quando ruas dormem no silêncio amordaçado de um sono que brilha em gotículas mil, desperto eu sob os impulsos que conheço bem. Não quero saber se chove, é uma chuva mansa, que mal se ouve ou sente, e apetece-me. Abro a porta envidraçada que dá para o exterior, e sento-me junto com o piar dos melros na soleira de mármore rente à relva fresca.

Está uma noite muito quente, cheia de segredos dispersos num céu macio de onde pingam diamantes feitos pérolas de água. Sob a chuva lenta que teima em cair desde há muito, fecho os olhos e respiro o cheiro da terra molhada, dos troncos das árvores por onde a água escorrega vagarosa, seguindo a ordem natural dos sulcos enrugados, até se perder nas entranhas da terra. Ouvem-se perto as cigarras, áridas, ávidas.

Decido caminhar um pouco pelo relvado, não me incomodando sentir a roupa fina colada ao corpo, ou o cabelo comprido cheio das gotas frágeis que fazem cintilar tudo ao meu redor, como centenas de lâmpadas acesas. Acalma-me. Liberta-me. 

O ar continua quente e insinua-se a murmúrios meus. Os candeeiros de rua destacam-se na noite enorme mas acolhedora, atentos aos pardais que voam rentes a eles, a dispersar poemas no bater das asas. Não sabem que horas são... mas sei eu: é tempo de despir a roupa encharcada, secar o corpo e o cabelo, recolher-me à irreverência da cama, e reler-te. Interpretar-te. Colar pedaços meus.

Estou viciada no que para mim simbolizas, como se tivesses vindo de muito longe para, com tão pouco, me trazeres de volta ao caminho que é meu.

Peregrino, de que ponto cardeal vieste tu?

Também és toda essa natureza mística de que falas, esses lugares que parecem pertencer-te desde tempos primordiais, esse silêncio que acompanha tanto e pede tudo.

Por ora chega. A chuva nua há-de parar. Também esta minha vontade vadia de ti. É uma questão de tempo, até que outras noites marginais como esta cheguem, molhadas e quentes, e eu precise de te pensar por perto...

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