O Mundo Avança
Manhã que chega à minha praceta, segura de si, sem vento nem frio. Sobe o sol imenso acima da linha dos telhados e ocupa todo o campo que se espalha para além do jardim bem cuidado. Recomeça a vida no tiquetaque regular dos ponteiros do relógio, cúmplice da manhã que sacode fortemente o mundo e o coloca novamente em movimento.
O sol ofuscante seca orvalhos e quebra sombras em recantos musgosos. Aves começam os seus voos em busca de alimento e janelas abrem-se ao dia quente, cheio de luz. Estradas enchem-se de carros, e passeios, de gentes que caminham em direção aos seus afazeres. Algures, mundo fora, aviões levantam voo e bandos de flamingos cobrem de cor de rosa os lagos salgados. Noutro lugar distante, os altos cumes cobertos de neve brilham ao sol como diamantes, enquanto animais pastam nas vastas planícies rasgadas pelo vento. Pais deixam os seus filhos nas escolas e pescadores cuidam das suas redes após uma noite de trabalho. Longe, florestas quase inexploradas enchem-se dos mais variados sons e brilhos entre a folhagem alta e cerrada, e num outro sítio longínquo dali, efetuam-se transações entre homens de negócio bem vestidos que trocam um aperto de mão. Semáforos regulam os passos dos transeuntes, e na aldeia, o sino da igreja toca as Ave-Marias enquanto o riacho desliza frio por baixo da ponte rústica. Mais longe, um casal troca votos, e noutro sítio, uma baleia-jubarte eleva-se fora de água, voltando a cair com estrondo. Bebés nascem, enquanto outras vidas partem em paz para outras esferas. Pradarias imensas enchem-se de flores e nas grandes estações das grandes metrópoles, comboios chegam enfim, longos quilómetros deixados para trás. No espaço infinito um satélite sonda a escuridão a velocidades incríveis, e aqui, num canto da Terra, chove torrencialmente. Alguém estuda uma nova vacina. Um pintor termina a sua tela, e um idoso descansa no banco de jardim, jornal esquecido nas mãos, olhar risonho aos pombos e aos pardais.
Reescreve-se a História, a ciência avança, e o ser humano continua a sua existência complexa que balança entre o poder e a fragilidade.
E aqui, na minha praceta, a manhã continua. Sem frio nem vento. Agora com nuvens brilhantes, fechadas, preenchendo lacunas, saudando a primavera presente. E eu não sei de ti. Mas existes. A manhã sabe-o tão bem quanto eu. Mas já não sei se voltarei a encontrar o que ficou para trás. O mundo avança, não é? Não me esqueças nunca!
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