O Voo
Ao fim do dia, quando tudo é escuro e mistério, sonhos parecem sentar-se em frente ao crepitar de uma fogueira. Nas fagulhas que estalam desordenadas no ar, os sonhos veem todas as estrelas do firmamento, todos os ventos que varrem a Terra, todas as grandes montanhas onde o ser humano jamais há-de chegar. Há sussurros nas sombras que dançam por paredes nuas em volta da fogueira, e que dizem que há algo maior do que o imaginar: que na noite lá fora adensam-se aromas libertados por eucaliptos e pinheiros ponteados de resina, que aves tímidas mostram-se enfim, belas e singulares, que o vento pode ser brisa cálida e que os rios também cantam.
Uma vez por outra, quando a noite dorme e o sol já se eleva acima do pomar, há caravanas que passam, como aquelas antigas caravanas de comerciantes que cruzavam continentes. Nessas alturas, os sonhos movem-se também e partem juntamente com elas. Caminham para o sul, onde estão as grandes extensões de areia, antes dos grandes rios.
Sul. Ali havia um homem, da idade do Tempo. Viu chegar os sonhos e chegou ele também a si próprio, finalmente! Feliz e completo, deixou cair a sua sacola no chão, arregaçou as mangas da sua camisola e começou a correr...
Então, o homem correu pelas dunas, veloz como o vento; abriu os braços e sacudiu-os, para cima e para baixo, como duas asas. Correu com mais força, braços alados ao vento. Correu com mais força ainda! Transformou-se em pássaro e voou!