Primordial
É primordial esta chuva que se impregna dos apelos que te deixo,
na manhã ainda inacabada. É esta a hora do tanto querer, e a chuva conhece-me bem. Também tu. Sabes o que este corpo meu insinua quando decompõe devagar o teu nome, e quer tornar esta espera inocente num apressado começo. Eu e tu.
Mas para já, sou toda da chuva. Autorizo que ela me deixe ser alvorada e areal, bússola e runas antigas que caem cheias de segredos teus. Aceito que a chuva seja linha traçada sem pressa na brancura da minha pele nua, que é mapa teu, e que anseios se soltem dos meus lábios como fagulhas de fogueiras acesas na praia, em noites quentes de verão. E o meu corpo inocente é rebelião, é ele quem manda, comanda e devora cada gota de chuva que procura saciar-me.
Mas quando a chuva passar, vem tu, por favor... Tu sabes, há outras forças também, primordiais como fotões, e poderosas como a gravidade ou o magnetismo... vem depressa, então. E se a chuva voltar, deixemo-la incendiar suspiros indomáveis e vontades agrestes na hora do desejo. Que a chuva é minha aliada, sem dono nem sono, mas dona de mim.