Regresso
A manhã desperta cálida, envolta numa luz frágil, branca e silenciosa. Tudo parece opaco nessa luz: o céu, o sol, as nuvens, a minha vontade. Está frio, enrolo ainda mais o meu corpo na manta quente que o cobre. Ao longe, forma-se subitamente uma camada de nevoeiro que acorda o farol. Ouve-se o seu gemido poderoso, um tom grave, intenso, arrastado e demorado, que ecoa por toda a costa. Sinto a tua falta, também ecoas em mim.
Sei onde estás. Nessa praia que se tornou um pedaço teu, ouvindo o desabafo do farol unir-se ao nostálgico lamento das gaivotas arrepiadas na areia gélida. Tu, e esse teu semblante disfarçando um espírito imparável, irónico, perspicaz, mordaz e incrivelmente humano. Como me apetece tanto abraçar-te! Sei que te acalma olhar o mar quando ele está liso, sem a mínima vibração, e hoje o mar dá-se assim a ti: maré suspensa, onde um barco de pesca isolado boia não muito longe. Folhas, gaivotas, um pedaço de madeira, boiam também na superfície hipnotizante da água parada.
E hipnotizas-me tu, que chegas até à minha mente no inesperado do nevoeiro, trazendo memórias. Ainda falta algo entre nós e esse algo há-de chegar, o fim de um ciclo que será o começo de outro. Eu sei que me levarás a essa praia que é como tua. E será, nesses instantes, nossa.