Saído do Nevoeiro
Há momentos capazes de mudar toda uma existência. Quando esses momentos acontecem, passado, presente e futuro fundem-se num tempo só. Porque esses momentos são raros pela magia e intensidade que libertam.
São momentos de reencontro. Trazem consigo o cheiro da terra molhada pela primeira chuva que cai. Seduzem como as luzes de uma cidade à noite, vistas de um ponto muito alto. Serenam como o som do sino da igreja a tocar lá ao longe na aldeia. Deslumbram como constelações de estrelas imensas, com nomes de deuses.
Há momentos que, pelo seu raro encanto, são capazes de num único e mesmo segundo fazer alguém sentir-se simultaneamente grande e pequenino, forte e frágil, poderoso e fraco. Quando o universo parece abrandar e a roda da vida permanece imóvel no céu.
Momentos únicos que fazem o princípio e o fim confundirem-se. Formas abstratas. É como chegar a um lugar ao qual nunca se foi antes e sentir estar a regressar finalmente a casa.
É como olhar um rosto pela primeira vez; e adorá-lo, ainda antes de todos os Porquês! É como amar um filho, filho meu...
Há momentos assim, em que somos tudo e nada. Esses momentos podem andar por uma rua qualquer, podem passear-se por um jardim bem cuidado, podem até estar à varanda olhando enamorados um barco que ao longe, no rio, parece tão pequenino e desamparado.
São momentos bons e só nossos, feitos daquilo que nos faz sorrir, sonhar, acreditar, agradecer aos outros, a Deus. São momentos que despem devagar a alma, como se fossem a lembrança de um rosto quase místico, que parece saído do nevoeiro, escondido em transparentes brumas.