Sem Cartas na Manga
" (...) Não tenho varinha de condão... mas fecha os olhos. Sentes a brisa? Sou eu..."
Costumas pensar o mundo como se ele fosse as linhas da palma da tua mão, e foi com essa postura que um dia, há tantos outonos atrás, chegaste a mim, transcendendo tudo e todos. Gostei logo de ti...
Um dia falaste-me de amor, e de outras coisas também, palavras que ainda hoje, em noites de lua escondida, percorrem como motas de alta cilindrada a estrada que termina repetidamente no Cabo da Roca, uma e outra vez. Não há outro caminho, pois não?
Não há...
Mas hoje, exatamente hoje, rumas à "Cidade Berço" do nosso país, onde nasceste tu também, para lá residires por tempo indeterminado. Levas nas malas o teu mar agreste, o cheiro das rochas e das algas quando a maré baixa. Levas na mala as curvas da estrada que serpenteia Serra acima, em direção ao Palácio e à Lua, escondida pela vegetação secular e selvagem, que forra as encostas.
Levas na mala os teus longos serões, quando questões políticas do mundo eram discutidas com fervor, a arte e a cultura acompanhavam um bom licor, e o teu bom humor fazia parar ponteiros do relógio, sempre que falavas sobre as celebridades que faziam parte dos teus dias, ou dos filmes de excelente qualidade que tu dirigias.
Tudo o mais fica para trás, e aquele lugar tão cheio das tuas histórias, luxos, caprichos e excentricidades, que foi outrora tua propriedade, torna-se, de hoje em diante, um enorme e nostálgico vazio. Para mim, será sempre um lugar teu. Nosso.
Deixo-te o final daquela carta que um dia me escreveste a bordo de um avião, e que faço questão de guardar:
" (...) Não tenho varinha de condão... mas fecha os olhos. Sentes a brisa? Sou eu..."
Enfim, entre outras coisas, és um (grande) produtor e realizador. Ocupa-te agora o melhor que puderes do guião desta nova fase da tua vida, com tempo, leveza, e esse teu humor ímpar. Afinal, agora és personagem também - a principal! E se tiveres que improvisar, improvisa! Eu? Continuarei a gostar de ti, sem truques na manga. Existe outra forma de lidar com o que de bom trouxeste à minha vida?
Hoje a brisa sopra.