O Teu Outono
Avanças despreocupado pelo teu outono, que se passeia contigo também, entre os verdes e dourados do avançar lento dos dias. Folhas tombadas ao chão rasgam-se sob as tuas passadas, que levantam ao ar o aroma próprio da terra molhada. Ecoam à tua volta os enigmas densos da Serra, os sons das aves despertas, do estalar de ramos, do caminhar firme e pausado de animais que não se veem.
O mistério dos caminhos que escolhes cala-te palavras desnecessárias, e diz-te que é cedo ainda. Fala-te das névoas cerradas que o frio há-de trazer quando os dias ficarem ainda mais curtos, dos musgos e heras que hão-de cobrir penedos e cantos escondidos, da humidade que há-de embaciar janelas e humores em dias de chuva lenta, inquebrável.
Mas ainda não, é cedo ainda.
Para já, é tempo do teu relvado encher-se lentamente do dourado das folhas quebradas e do verde frio dos trevos frescos, sob um sol esbranquiçado que mal aquece. É tempo dos primeiros cogumelos aparecerem junto aos muros escuros da tua casa, enquanto aves coloridas saltitam alegres por entre o arvoredo do teu quintal em busca de alimento. É tempo de limpares a tua lareira, de provares os teus licores de tons quentes, de pousares novos livros junto à tua manta de lã, e de te misturares na luz que preenche a tua sala e a torna ainda mais apetecível.
É tempo de seres o teu melhor, na certeza de que estás onde pertences e de que és também, em parte, outono. Eu gosto que assim sejas, é a estação do ano que mais me deslumbra por ser simultaneamente prosa e poesia. Como tu és para mim, aliás...