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Sílabas à Solta

POESIA | PROSA POÉTICA

Sílabas à Solta

POESIA | PROSA POÉTICA

Vento

20.09.20 | Sandra

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Dia de ventania. Na orla da tarde seca, calam-se sombras e colam-se rostos sem cor às janelas fechadas. Persegue-me o vento por ruas agrestes, vazias de barulho. Indomável, despenteia-me o cabelo, sacode-me a mala e serpenteia atrevido pelas pregas do meu vestido, tentando subi-lo como balão ao céu.

Em direções sem sentido, joga o vento às escondidas: por entre os arbustos assustados, o estacionamento irritado e os bancos de jardim incomodados. Derruba quase até ao chão as copas das árvores, e levanta até ao céu os balouços vazios.

Depois foge o vento para longe, a assobiar furioso, traquinas, para de novo se aproximar em crescente alvoroço. Omite os barulhos da cidade e dos carros parados no trânsito. Atira-se às folhas secas, velhas e rasgadas, que dispara em todas as direções num rodopio desordenado cheio de humores. E nos estendais que estremecem confusos, silêncios e roupas ondulantes esbarram na poeira baça levantada ao ar.

Mas à noite o vento arrepende-se desse seu frenesim e acalma-se. Senta-se ao meu lado, acanhado, acabrunhado, abraça-me pela cintura como pedindo perdão e canta-me baixinho. Olhamos o infinito e o vento é confidente, meigo, sereno. Feito agora doce brisa, desvia-me as alças do vestido e nos ombros, na minha pele sonolenta, repousa enfim das corridas do dia que lá vai, enquanto me sopra segredos ao ouvido. E eu, no vento aconchego-me, sonho voar como uma gaivota. Até chegar a ti.

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